sábado, 21 de abril de 2012

Crônicas - A vendedora de flores


                Para Juracy Assmann Saraiva - minha professora de olhar horizontal
   
     Cidades grandes são mesmo complicadas. Ora mais verticais, ora menos. Por certo, todas têm suas complicações e pronto. Perdoem o uso do clichê, mas a verdade é que as cidades só mudam de endereço. Veja bem: trânsito, engavetamento, motoqueiros ferozes, sirenes, barulhos diversos e também eu, tu, nós e eles todos. Estamos todos ali, num mesmo espaço, por tempo e motivações diferentes, mesmo assim, estamos. Fui um garoto que cresceu no campo e que agora envelhece na selva. Em cidade grande o trânsito é assim. Perigoso, irracional e de locomoção difícil. Logo, uma selva! Quando a gente menos espera uma moto arranca o retrovisor, a visão ou a vida de um pedestre. Os carros colam um no outro um busca de uma pressa que a velocidade do engarrafamento não permite. A sinaleira de quatro tempos fechada, a velhinha atravessando vagarosamente a faixa de pedestres, as crianças indo ao McDonalds não permitem. Ninguém ali permite nada, nem ninguém. É proibido tentar se distrair do trânsito, por isso as buzinas, é proibido dirigir tranquilamente, por isso a sinaleira, é proibido proibir, por isso o sinal verde. Só existe a simples e estupenda contradição de uma onda de carros que anda um pouco e para. Anda mais um pouco e para por muito. Depois de se acostumar com esse mecanismo, que prejudica a paciência, é difícil não apertar a buzina, não colar na traseira do carro da frente, não gritar para um motoqueiro. Porém, mesmo diante de todos os movimentos, da sinfonia de motores, percebo algo que toca em outro tom. Num tom suave e silencioso. Percebo uma flor.
     Lá está, na esquina da Pedro Adams, uma florista. Cercada de flores bem arrojadas e coloridas. Bem localizadas, mas pouco percebidas. Ela colore a rua com jasmins perfumados, solitárias tulipasbem destacadasem suas hastes e também as rosas. Rosas de colorações múltiplas e, além delas, tantas outras flores de que me faltam nomes. O importante é que naquela esquina há uma moça. Morena, cabelos negros que vão até o ombro e um olhar horizontal que contrasta com a cidade. Indiferente ao barulho, ao cinza, a mim, a ti, a nós. Ela observa uma tulipa, chega mais perto, acaricia-a e muda-a de lugar.
     A moça vai até uma cadeira. Toma um livro entre as mãos e coloca um sorriso satisfeito no rosto. Está feliz e viva como aquelas flores, está indiferente a tudo que acontece a sua volta, bem como as flores. O que lê? No que pensa? Como consegue se concentrar em meio a tudo? Diversos questionamentos povoam minha cabeça. Não tenho resposta, mas sei que o barulho é alto pra mim; não para ela. As buzinas ensurdecem a todos; ela nem as ouve. Motoristas se irritam, batem-boca uns com os outros. Ela conversa consigo mesma em tom agradável.
     O sinal abre. Está verde. A moça vira a página. Está livre. Eu posso continuar o meu trajeto em meio a novos ruídos perturbadores - buzinas, engarrafamentos, motores- e ela pode continuar o seu. Sem nenhum.

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